sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Porque dói...

As palavras mais nuas
As mais tristes.
As palavras mais pobres
As que vejo
Sangrando na sombra e nos meus olhos.

Que alegrias elas sonham, que outro dia,
Para que rostos brilham?

Procurei sempre um lugar
Onde não respondessem,
Onde as bocas falassem num murmúrio
Quase feliz,
As palavras nuas que o silêncio veste.

António Ramos Rosa

Era bom que as palavras não respondessem, não ferissem, não deturpassem, não matassem. Mas que digo eu? Não são elas que matam, deturpam, ferem e respondem. São Eles que lhes imprimem essas intenções de tal forma que as palavras ficam irrevogavelmente presas a um significado que não era originariamente o seu. A partir desse momento deixam de ser meros símbolos, tornando-se títeres nas Suas mãos. Aí sim, ascendem à categoria de armas de destruição massiva, mais fortes, potentes e perniciosas do que qualquer acção. Alguns actos podem ser reparados, minorados. Outros compensados. Contudo, dificilmente se esquece uma palavra cruel, inimiga, proferida num momento inoportuno. Pode-se perdoar; contudo, a tentativa de esquecer torna-se ineficaz, quando se sabe que a palavra deixou um sulco profundo na alma, invisível é certo, mas infinitamente mais doloroso do que qualquer cicatriz visível. Para as dores do corpo (e não todas), a medicina tem descoberto múltiplas formas de minorar o sofrimento. Para a mágoa, para a fragilidade humana posta a descoberto, não existe cura. Apenas o tempo.
Um uso imponderado e ruinoso da palavra cria instabilidade, envenena as relações humanas, corrói o silêncio e perpetua o caos e a anarquia das vidas humanas. Felizmente, a palavra é também capaz de unir pessoas diferentes em torno de objectivos comuns, de transmitir emoções, de fazer a paz e a justiça, de incendiar sentimentos puros em corações frágeis ou endurecidos pelo esquecimento. Se não for manipulada e lançada sem piedade, ela pode atingir um significado pleno, iluminando os sonhos de quem a ouve ou lê e contribuindo para a edificação de verdadeiros "castelos no ar", onde o silêncio é feliz por saber-se oportuno e não constrangedor.
Também eu quero "As palavras nuas que o silêncio veste"... não aguento viver no ruído e marasmo dos meus dias... preciso de paz.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

A derradeira batalha

Vão vagos pela estrada,
Cantando sem razão
A última esp’rança dada
À última ilusão.
Não significam nada.
Mimos e bobos são.

Vão juntos e diversos
Sob um luar de ver,
Em que sonhos imersos
Nem saberão dizer,
E cantam aqueles versos
Que lembram sem querer.

Pajens de um morto mito,
Tão líricos!, tão sós!,
Não têm na voz um grito,
Mal têm a própria voz;
E ignora-os o infinito
Que nos ignora a nós.

Fernando Pessoa


Vão vagos pela estrada, sem rumo certo, deixando-se conduzir pela brisa suave do destino. Não sabem o que querem, não projectam o futuro. Fruem o presente, sem preocupações nem outros deveres que não estudar e apreciar a adolescência. Vivem recatados nas suas casas, embrenhados na esfera social a que pertencem e que lhes transmite a protecção e segurança de um ambiente explorado e acolhedor. Contudo, conhecem muito pouco do verdadeiro mundo, aquele em que as suas irresponsabilidades (mesmo que fortuitas) poderiam marcar de forma indelével a sua vida. De repente, sem qualquer preparação prévia, são lançados no mundo real, exigindo-se discernimento e sensatez para a edificação de um projecto de vida. Abandonam as caras conhecidas, a escola tutelar, os professores atentos e disponíveis. Põem de lado as amizades que demoraram anos a aprimorar e aperfeiçoar e vêem-se obrigados a desocupar o confortável mundo conhecido. São diversos e sós, lançados sem piedade num mundo que não tem tempo nem disposição para amparar as quedas. Não significam nada e a vida lírica que levavam é subitamente repudiada pela sociedade, afastando-os das suas ilusões e esperanças. Apesar de tudo, vão juntos. Sem voz, sem esperança, apenas sonhando. Porque no terreno do sonho nem a sociedade pode impor a sua autoridade. Vão juntos e, embora ignorados pelo infinito, sabem que estão prestes a enfrentar a derradeira batalha. Nessa batalha não ganham os que estudam mais ou que possuem mais sabedoria. Vencem apenas aqueles que têm maior capacidade de sonhar e de investir na concretização dos seus projectos. É a derradeira batalha pela felicidade que os jovens se vêm obrigados a iniciar. Uma batalha para a qual não têm maturidade suficiente e onde cada um se significa apenas a si próprio. Uma batalha que talvez lhes permita alcançar uma identidade singular e um sentido para a sua existência. Ou talvez não.

Escrevi este texto o ano passado, enquanto esperava ansiosamente pela saída do resultado das colocações na faculdade. Felizmente, foi-me concedida a oportunidade de viver o sonho pelo qual lutei no secundário. Só espero nunca defraudar as expectativas de quem espera tanto de mim...
O meu pensamento vai hoje para todos aqueles que alcançaram finalmente a meta a que aspiraram. Que a nova etapa que agora iniciam lhes traga a serenidade, alegria e maturidade para enfrentar os desafios que já espreitam. Aos que ainda se debatem com as dificuldades, desejo sinceramente que o seu sonho nunca esmoreça pela frustração ou cansaço!

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

É o retorno

Começou. Ainda que a meio gás. A partir de hoje o 704 pode contar com mais uma passageira assídua... É o regresso à minha segunda casa, à faculdade que tão calorosamente me acolheu no ano passado. Já sentia saudades dos corredores labirínticos, dos elevadores decrépitos que encravam teimosamente entre pisos, do silêncio avassalador da biblioteca, do odor do teatro anatómico (!), da alegria que impera no salão, dos sofás, dos almoços no 02 com a ementa de sempre. Mas do que sentia mais falta era dos amigos, das piadas disparatadas depois de uma aula complicada, das partidas animadas de matrecos onde aproveitávamos para descarregar as frustrações e o cansaço de muitas horas de estudo. Ansiava por aquelas conversas nos intervalos em que se discutia tudo e nada, apenas pelo prazer de partilhar à socapa mais uns minutos, mais um sorriso, mais um silêncio compreensivo, mais um problema. E sentia vontade de novo (re)descobrir os mistérios que o nosso corpo encerra, lentamente tomando consciência de como tudo está tão bem orquestrado e programado. Os livros a estrear, os cadernos ainda em branco, os apontamentos, os anfiteatros, os laboratórios, os professores... enfim, tudo isso constituía uma lacuna enorme porque o estudo é parte integrante de quem sou e de quem vou ser. "Primum non nocere". Primeiro, não fazer mal. O princípio hipocrático recorda-me que eu devo aproveitar a oportunidade de estudar na FMUP para crescer como pessoa e para me tornar a melhor médica possível até porque uma é indissociável da outra. Só assim poderei, no futuro, servir e acolher bem a sociedade que também um dia me recebeu, tentando tornar mais felizes não só aqueles que me procuram, mas também, aqueles que me têm acompanhado corajosa e pacientemente em todas as encruzilhadas da vida.

"There is joy in work. There is no happiness except in the realization that we have accomplished something." Henry Ford

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Memórias

Este texto é dedicado à minha avó Júlia, ao meu avô Manel e à minha avó Emília, que ainda permanecem junto de mim, e ao meu avô Quim cujo coração levou-o pouco depois de eu ter nascido, privando-me de um avô extremoso, terno e amorável.

Veio-me hoje a nostalgia de um tempo muito feliz, (quase) esquecido num canto sombrio da minha memória. Depois de livre do pó do passado, esse tempo revelou-se para mim com um brilho que eu julgava já não ser possível de recuperar. Não sei o que desencadeou esta minha necessidade de percorrer de novo os caminhos tortuosos mas infinitamente felizes da minha infância... ou talvez saiba mas me custe a admitir. Um dia destes, dei por mim a olhar para os meus avós, pensando como já estavam velhinhos e cansados e como tinha saudades daquelas manhãs em que a minha avó Júlia jogava futebol comigo, daquelas tardes em que o meu avô Manel me iniciava nesse jogo viciante que era a bisca ou daquelas brincadeiras com a minha avó Emília que não se importava quando eu fazia batota no Monopoly para ganhar. Os meus avós personificavam todas as personagens do meu mundo de fantasia... brincavam às casinhas, aos supermercados e aos médicos com uma paciência infinita, sem olharem para o relógio nem para a desarrumação que reinava por instantes naquele quarto. Acarinhavam-me, deixavam-me comer guloseimas e velavam o meu sono quando estava doente ou tinha medo. Agora, ao vê-los, reconheço que o tempo passou depressa, levando consigo não só a saúde mas também os seus netinhos... Dessas crianças de dez anos não sobra nenhuma que preencha o vazio de uma tarde com o seu riso ou com uma asneira inconsequente. Contudo, os meus avós não estão sozinhos... sabem-se acompanhados por filhos e netos que os amam mas que vivem apressados o quotidiano, sabendo que o futuro não espera por eles. O ritmo é diferente. Para os meus avós, cada dia é uma enormidade de segundos preenchidos por um passeio, por um programa na televisão, por um croché, por uma sesta, por um terço, por uma consulta no centro de saúde, repetindo-se o mesmo ciclo dia após dia. Para mim e para os meus pais, cada dia é uma corrida contra o tempo, na ânsia de concretizar todos os projectos de vida acalentados ao longo do percurso. Por isso é que julgo compreender quando os meus avós se sentem sozinhos mesmo com a nossa presença a alguns metros de distância. E por isso também é que tenho um enorme orgulho neles. Todos os dias se deixam conduzir com alegria pelo lento passar do tempo, sobrevivendo às suas partidas e lutando por uma vida que sabem que também pertence àqueles por quem são amados. Cada ruga, cada dor nas articulações e cada cabelo grisalho não é apenas sinal do envelhecer mas é sobretudo a memória viva de todos os sacríficos que os meus avós fizeram para conseguir que os filhos estudassem e tivessem as ferramentas para ser felizes. Os meus avós abandonaram as suas aldeias à procura de trabalho que lhes permitisse subsistir e prosperar numa terra que não era a deles. Procuraram dar aos filhos aquilo que a eles tinha sido negado pelas dificuldades de uma época conturbada em Portugal. Mesmo não sendo licenciados, souberam utilizar a sua literacia rudimentar e o seu saber empírico para tornar a vida dos que os rodeavam mais feliz. É impossível transmitir por palavras a gratidão e amor que sinto por estes anciãos que ainda conservam no olhar a mesma juventude de outrora. Da próxima vez que os visitar não os encararei mais como avós velhinhos e cansados mas recordarei com eles as proezas passadas e verei de novo, diante de mim, a avó "futebolista", o avô "das cartas" e a avó "cúmplice da batota".

"When grace is joined with wrinkles, it is adorable. There is an unspeakable dawn in happy old age." Victor Hugo

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Em paz

Acordei tarde, enrolada nos lençóis, com o sol a espreitar por entre a cortina, tentando teimosamente roubar-me à minha indolência matinal. Venceu-me sem dificuldade. Adoro os dias de Verão, a magia de um dia de férias por conquistar, a surpresa de uma visita inesperada, o odor único da brisa do mar na foz, o sabor de um gelado a derreter numa esplanada enquanto a conversa decorre sem atropelos nem pressas. Adoro deitar-me tarde e acordar cedo, ver na televisão todas as séries que não tive oportunidade de ver durante o ano, não me aborrecendo quando vejo o mesmo episódio pela centésima vez. Adoro quase adormercer ao som de uma música velhinha. Adoro um livro por descobrir, o cheiro de sal entranhado na pele, a areia quente a queimar-me os pés, o silêncio que uma noite de Verão e o mar me podem reservar. Adoro sobretudo a frivolidade de um dia que não é programado, que não encerra em si angústias nem preocupações. Por isso é que acordei bem-disposta... sou verdadeiramente abençoada por todos os dias poder recordar, ver, ouvir e sentir as maravilhas do meu mundo. Tenho deixado que as preocupações consumam os meus sonhos e memórias e se imuscuam num mundo que não é delas e que está centrado na procura da felicidade... e será que já não a encontrei?

"Sonha como se vivesses para sempre. Vive como se fosses morrer hoje." James Dean

Lucky Man (The Verve)

Happiness
More or less
It's just a change in me
Something in my liberty
Oh, my, my

Happiness
Coming and going
I watch you look at me
Watch my fever growing
I know just where I am

But how many corners do I have to turn?
How many times do I have to learn
All the love I have is in my mind?
But I'm a lucky man
With fire in my hands

Happiness
Something in my own place
I'm stood here naked
Smiling, I feel no disgrace
With who I am

Happiness
Coming and going
I watch you look at me
Watch my fever growing
I know just who I am

But how many corners do I have to turn?
How many times do I have to learn
All the love I have is in my mind?
I hope you understand
I hope you understand
Gotta love that'll never die

Happiness
More or less
It's just a change in me
Something in my liberty

Happiness
Coming and going
I watch you look at me
Watch my fever growing
I know
Oh, my, my
Oh, my, my
Oh, my, my
Oh, my, my

Gotta love that'll never die
Gotta love that'll never die
No, no
I'm a lucky man

It's just a change in me
Something in my liberty
It's just a change in me
Something in my liberty
It's just a change in me
Something in my liberty
Oh, my, my
Oh, my, my
It's just a change in me
Something in my liberty
Oh, my, my
Oh, my, my

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Porque às vezes um nada pode ser tudo

Ouvi esta música agora mesmo e só ela conseguiu transformar um dia "negro" num dia um bocadinho mais "azul"... trouxe-me a serenidade que precisava. Acredito que será interpretada por cada um de forma única, de acordo com vivências pessoais e o estado de espírito momentâneo e, por isso, não vou impingir opiniões pessoais... acho que a letra da música actua por si só! (bem, para ser absolutamente sincera também estou com um bocadinho de preguiça... não estou inspirada!)

Nada (Jorge Cruz)

Nada te espanta
Nada te encanta
Nada te tomba ou te levanta
Sem passar dentro de ti

Nada te gera
Nada te espera
Não há Outono nem Primavera
Sem que o sintas a surgir

Tu és a escala
a mão que embala
Tomas bem conta de ti
Tu és a escala
a mão que embala
Tens um rumo a seguir

Nada te atrasa
Nada te arrasa
Nem que no céu percas uma asa
Vais pegar de novo em ti

Nada te usa
Nada te escusa
Mesmo se o mundo inteiro te acusa
Só tu sabes para onde ir.

Tu és a escala
a mão que embala
Tomas bem conta de ti
Tu és a escala
a mão que embala
Tens um rumo a seguir

E nada te esmaga
Nada te acaba
Nada te encolhe, nada te alarga

Nada te tenta
Nada te inventa
Nada te pesa, nada te aguenta

Nada te falha, nada te empurra
Nada sorri enquanto te esmurra

Nada te esfria
Nada te guia
Nada te ofende ou te desvia

Nada te pára...
Nada te pára...
Nada te pára...
Nada te pára...
Nada...
Nada te pára...
Nada te pára...
Nada...

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Adeus...

Para os mais incautos o título "adeus" pode ser despropositado visto que não se trata de uma despedida mas do início de algo novo. Contudo, "adeus", se interjeição, pode também significar boa viagem! e é esse o motivo pelo qual escolhi esta expressão para começar o meu blog. Reflecti se seria capaz de manter algo deste género sabendo que daqui a pouco mais de um mês actividades intensas recomeçarariam, exigindo (quase) todo o meu tempo e empenho. Aceitei esse desafio porque preciso do anonimato de uma página em branco onde os meus pensamentos e recordações possam pulular livremente, livres de represálias sociais ou de uma timidez demasiado limitadora. Aqui, ninguém me conhece... posso reinventar e aprimorar um eu ainda frágil sem me sentir tentada a seguir tendências ou sem sentir medo do que os outros possam pensar. Posso ser eu mas também posso não ser... no fundo, posso dar "rédea solta" às minhas mãos, ao coração e ao cérebro deixando que eles me conduzam para lugares de difícil acesso no mundo agitado em que vivemos. O único compromisso que assumo é o de que tentarei manter um equilíbrio que me é precioso para que possa enfrentar com segurança (e coragem também, porque não?) os desafios que me esperam. Por tudo isto é que quero desejar boa viagem a este projecto ainda tão imberbe... espero que resista a intempéries mas também a períodos de bonança.

"Birds sing after a storm; why shouldn't people feel as free to delight in whatever sunlight remains to them?" Rose Kennedy

terça-feira, 14 de agosto de 2007

O princípio do fim (ou o fim do princípio?)

A melhor parte das férias acabou... Chego a casa e reparo que tudo continua na mesma. Os problemas e preocupações permaneceram incólumes com o passar do tempo. Nem a contemplação de pôr-de-sóis magníficos, nem o silêncio sereno do mar nem sequer a agitação de uma noite algarvia permitiram amansar o meu espírito... Curioso o que um ano de adaptação pode fazer. Falta-me segurança, tranquilidade e confiança para acatar aquilo que me é reservado e lutar por aquilo em que acredito. E tenho medo... um medo enorme de fracassar numa vida que é única e que é um dom. Apercebo-me que ainda não sou capaz de tomar decisões e que "quero tudo ou um pouco mais, se puder ser", como dizia Álvaro de Campos. Procuro uma perfeição que está para lá do meu alcance e perturba-me que fracasse quando me esforço tanto... Ainda assim, eu sei que são esses momentos menos bons que me permitem crescer e conquistar a necessária calma para enfrentar um futuro cada vez mais incerto. Tenho consciência também que nem sempre aquilo que desejamos é aquilo que de facto nos fará mais felizes ou nos tornará mais aptos a ultrapassar as adversidades... Por isso mesmo é que tenho acalentado alguma esperança de que os ventos tornem a mudar e me levem a bom porto antes que me torne a pior inimiga de mim mesma.

"Am I a part of the cure or am I a part of the disease?" Clocks, Coldplay